SEGREDOS QUE QUASE MAIS NINGUÉM CONHECE:O RENASCER DA NATUREZA

Todos os anos,na segunda quinzena de Março,Selena,a fada,mostra aos habitantes da floresta o Ovo de Ouro,em cujo interior está guardada,desde o princípio dos tempos,a energia através da qual se dá o renascimento da Natureza.Numa cerimónia muito simples(como simples são as coisas mais belas e autênticas),coloca o ovo no chão,no centro de uma grinalda confeccionada com azevinho,urze e margaridas silvestres,e perfura-o levemente com uma agulha feita de um material semelhante à platina,mas que só se encontra no interior da Terra.Então,a energia contida no ovo começa a sair,formando um magnífico arco-íris que,em poucas horas,se transforma numa imensa nuvem colorida,dentro da qual voa um infindável número de borboletas,e que acaba por cobrir,primeiro,toda a floresta,e,depois,o hemisfério inteiro(chama-se hemisfério a cada uma das metades do Planeta).É aquilo que os astrónomos denominam de "equinócio da Primavera".A palavra equinócio significa o momento em que o Sol,no seu movimento anual aparente,passa do hemisfério sul para o hemisfério norte(em 20 ou 21 de Março).Enquanto o ovo solta esta formidável energia,Selena entoa um belíssimo cântico,dizendo:"Que tudo reverdeça e se perfume,/desde as planícies ao mais alto cume;/e que a força do Amor,nesta estação,/cresça,sem parar,em cada coração".Depois,recolhe o Ovo de Ouro e vai guardá-lo no Ninho Sagrado,construído pelos pássaros que habitaram a floresta há vários milhões de anos,e no qual se encontram igualmente depositados o ovo correspondente ao equinócio de Outono, e outros aos quais me referirei mais adiante,quando voltar a este apaixonante assunto.

A HISTÓRIA DE SALIM

Salim,a corçazinha,saltitava alegremente na orla da floresta,perante o olhar embevecido de sua mãe.O sol nascera há pouco,saudado,como sempre,pelo chilrear dos pássaros e pelo canto dos galos,cujo som o vento trazia das mais longínquas aldeias;e adivinhava-se um dia magnífico,com o céu muito azul e os mil perfumes da Natureza enchendo o ar.Salim e a mãe iam para aquele sítio todas as manhãs,por causa da qualidade da erva que ali crescia-mais verde e mais tenra do que no resto da floresta.Além disso,corria perto um riacho de água fresca e cristalina,que sabia bem beber após as refeições.Para Salim,aquele lugar era como que uma cópia exacta do Paraíso;e,mal acordava,logo insistia com a progenitora para que a acompanhasse até lá.Mas ela não gostava,apenas,do sabor da erva e da frescura da água.Também admirava as flores silvestres,as frondosas árvores,o voo das frágeis borboletas,e tudo o mais que compunha a beleza daquele lugar de eleição.Estava ela observando a sua própria imagem reflectida nas águas espelhadas do riacho,quando um estrondo sinistro se fez ouvir,ecoando através da floresta.E outro se lhe seguiu,tão forte e assustador como o primeiro.Todos os animais sabiam,de sobra,de onde provinha:das armas mortíferas dos homens."Escondam-se imediatamente!",gritou-lhes Mestre Texugo,que já tivera um mau encontro com os caçadores.E todos se apressaram a seguir o seu conselho,de tal modo que a floresta pareceu transformar-se,de súbito,num lugar completamente desabitado.Mas,para Salim e para sua mãe,era demasiado tarde...Ferida numa das patas traseiras,a corçazinha conseguiu,contudo,afastar-se dos seus algozes,que acabaram por lhe perder a pista.A mãe,porém,não resistiu ao disparo certeiro que lhe atravessou o coração.Indiferente às dores que sentia,a jovem sobrevivente correu enquanto as forças lho permitiram,até cair exausta.Via tudo nublado-como se,de repente,o sol tivesse sido substituído por um grosso manto de nevoeiro-,e sentiu que era chegada a sua derradeira hora.Todavia,avisado pelos outros habitantes da floresta,Triblindo,o gnomo,e o seu ajudante(um duende muito irrequieto chamado Zatrapim)foram em seu socorro.Num potezinho de ouro,Triblindo esmagou algumas bagas que Zatrapim colheu de um determinado arbusto,e aplicou o líquido obtido na ferida.Feito isto,recomendou a Salim que permanecesse ali deitada até à completa cicatrização da ferida-o que aconteceu uma semana depois.Ao longo desse tempo,quase todos os animais da floresta a visitaram,levando-lhe alimentos e demonstrando-lhe o quanto a amavam através de singelos mas significativos gestos.As formigas,por exemplo,fizeram para ela um coraçãozinho de minúsculas flores,ao qual se somaram outros presentes,qual deles o mais enternecedor.Quando,finalmente,pôde retomar a sua vida normal,Salim não se sentiu só nem por um segundo,pois todos a acompanhavam,tornando-lhe menos pesada a dor que sentia pela morte de sua mãe.Morte?!...A morte é coisa que não existe!,garantiu-lhe Triblindo.E explicou-lhe:"Tu não vês a tua mãe porque,agora,o seu corpo é feito de uma matéria diferente,muito leve e vaporosa.Mas está sempre ao pé de ti.Um dia,irás para junto dela,e nunca mais vos separareis".Assim se passa com as corças-e connosco,também!A vida é uma festa que jamais acaba,mesmo quando a maldade e a violência tentam destruí-la.Não o esqueçamos,pois.Olhai que as palavras do gnomo Triblindo são sábias!

UM VESTIDO MUITO ESPECIAL

Os animais mais jovens da floresta saltaram de contentamento quando Mestre Texugo-o ilustre director da escola local-deu por encerradas as aulas daquele ano lectivo,anunciando,ao mesmo tempo,a data da habitual festa de encerramento-a qual servia,também,para assinalar o início das tão desejadas férias grandes!O entusiasmo posto nos preparativos do evento foi geral,ou quase...É que,em casa do rato Crispim,o ambiente não era dos melhores.D.Nica,sua prendada mulher,tentava,a todo o custo,convencer a filha de que, o vestido que com tanto empenhamento lhe fizera para usar na festa,era tão bonito como os das suas colegas.Porém,a pequena Aldina não concordava nada com a opinião da mãe.Em seu entender,aquele vestido era feio,piroso,antiquado e ridículo.De tal modo que,se aparecesse com ele na festa,seria motivo da chacota geral.Os vestidos que as suas colegas e amigas iriam usar eram de marca,comprados nas melhores butiques,sublinhava ela,ora amuada,ora lavada em lágrimas.Para piorar ainda mais as coisas,Cisco,o seu irmão mais novo,pôs-se a fazer troça dela,dizendo-lhe que,com aquele vestido,fazia lembrar um figo seco,um guarda-chuva sem varetas,e outras patetices pelo estilo.Irada,Aldina perseguiu-o por toda a casa,disposta a dar-lhe uma valente surra.E fá-lo-ia,sem dúvida,se não fosse a rápida intervenção de D.Nica.Chegado o dia da festa,Aldina cruzou os braços,franziu o sobrolho e disse que não tomaria parte nela nem morta.E mais!:Que aqueles "farrapos" que trazia vestidos não os usaria nem no Carnaval!Porém,quando observou,através da janela,a multidão que se dirigia,entre canções e exclamações de alegria,para a Clareira Grande(o lugar onde,tradicionalmente,se realizava a festa),sentiu uma vontade irresistível de fazer parte dela,esquecendo,ao menos por instantes,o facto de usar um vestido que detestava.Quando a lua nasceu,o Quarteto dos Grilos-celebrado grupo musical-entoou a primeira melodia,muito saudada por todos os presentes.A Clareira Grande estava linda,ornamentada com flores trazidas pelos pássaros da terra dos homens,e iluminada por algumas centenas de pirilampos.Seguiu-se um animado baile,findo o qual Mestre Texugo anunciou que,nesse ano,iriam premiar a aluna mais bem vestida.Ao ouvir isto,Aldina desejou que se abrisse um buraco debaixo dos seus pés,para poder desaparecer.Mas,quando,após renhida votação,o porta-voz do júri a deu como vencedora,sentiu-se a criatura mais feliz do Universo!O prémio era-lhe concedido por o seu vestido ser diferente,dado que os outros,ao serem feitos em série,pareciam todos iguais.Radiante de felicidade,caiu nos braços de sua mãe,e pediu-lhe perdão pelo modo como se comportara."Sabes porque ganhaste?",perguntou-lhe D.Nica."Não",confessou a ratinha."Porque usaste um vestido feito com muito amor".Sim,era essa a "marca" do vestido:Amor.E tinha a forma de um coração.

A CARRIÇA VOADORA

Uma carriça voadora?Ora!E depois?!Todas as carriças são voadoras,não é verdade?São pássaros,têm asas...Que espanto!Pois é.Só que a carriça da nossa história queria pilotar um avião!Exactamente:um a-vi-ão!Quando chegou a altura de deixar o ninho,as irmãs fizeram tudo o que os seus pais lhes ensinaram.O primeiro voo foi quase um desastre.O segundo,já foi melhor.E,poucas semanas mais tarde,era vê-las sulcando os ares com toda a segurança!Porém,a nossa carriça ficou no ninho,sempre a magicar na sua ideia tola de voar como os humanos.Foi passando o tempo,sucederam-se as estações,mas não lhe esmoreceu o estapafúrdio propósito.As irmãs foram à sua vida,prepararam-se para constituir novas famílias,e ela ali,a comer à custa dos pais e sem mexer uma única pena.E,como se fosse pouco,ainda lhes exiguiu que lhe arranjassem roupas a condizer com o que,à viva força,pretendia ser:um autêntico ás da aviação!Quando o Inverno chegou envolto no seu gélido manto de neve,ainda a carriça se mantinha na sua,indiferente aos conselhos dos pais,que a tentavam dissuadir de levar por diante o que não passava de uma rematada tolice.Mas ela,teimosa como era,não lhes deu ouvidos.Contou-me,mais tarde,um chapim meu amigo,que a infeliz morreu de frio e de fome no ninho de onde nunca quis sair.Mas também ouvi dizer que caiu em si e deu um novo rumo à sua vida,transformando-se numa carriça igual às outras.Seja o que for que lhe tenha acontecido,uma coisa devemos ter em conta:é bom sonhar,sim,mas não com coisas completamente irrealizáveis.O bom senso deve pautar as nossas vidas,qual bússola guiando-nos através do grande oceano da existência.

MESTRE CUCO PINTOR

Chegada a Primavera,assentou arraiais na floresta um cuco que se auto-intitulava "mestre pintor"-um verdadeiro Leonardo da Vinci de bico!Quando anunciou,com grande pompa e circunstância,a exposição das suas obras,todos acorreram a tomar parte no grandioso acontecimento.E soltaram grandes exclamações de espanto perante as maravilhas que os seus olhos viam!Na verdade,o cuco era um génio!Ricamente emolduradas,as telas expostas-todas elas representando imagens da floresta- eram tão realistas que até pareciam conter os mesmíssimos elementos da Natureza:a luz do sol,o vento,o chilrear dos pássaros,e por aí adiante.Até que,indo a assistência de obra-prima em obra-prima,desceu de uma árvore,no seu voo inaugural,uma jovem sitela,que foi poisar,precisamente,do lado de dentro de uma das molduras,revelando,assim,a inexistência de qualquer tela.Afinal,todas as molduras eram,apenas,isso:caixilhos dourados,que mostravam não obras executadas pelo cuco,mas espaços vazios através dos quais se via a própria floresta!A princípio,a assistência riu com o insólito da situação.Mas depressa mudou de parecer,e voltou-se,ameaçadora,para o falso pintor,com o intuito de o castigar.Foi então que se ouviu a voz de D.Coruja-senhora de grande erudição e sabedoria-,exprimindo-se nos seguintes termos:"Detenham-se!O cuco enganou-os,é certo,fazendo-se passar pelo que não é.Mas vocês acreditaram cegamente nele,sem antes cuidarem de ver se o que fazia era verdadeiro.Também vocês quiseram parecer o que não são:grandes entendidos em Arte!"E,em boa verdade,D.Coruja tinha toda a razão.Quantas vezes,nós,por querermos parecer o que não somos,nos deixamos enganar e fazemos figuras tão ridículas como as que protagonizaram os animais da floresta!...