EM NOME DA VIDA


Xavar-o velho javali-escutava com crescente nitidez os latidos excitados dos cães e o vozear dos caçadores.Sabia que,fosse para onde fosse,seria inexoravelmente descoberto e abatido.E pôs-se a recordar o que fora a sua vida naquela serra onde nascera e onde sempre vivera.Era pai de várias gerações de javalis-muitos dos quais mortos por aqueles ou outros caçadores que todos os anos calcorreavam aquelas paragens,de armas em punho e sorrisos alarves,como se estivessem não a cometer actos criminosos,mas a escrever,a tiros de zagalote,um poema de amor à Mãe Natureza e às suas Criaturas.Depressa ficou cercado pelos cães que,de dentes arreganhados,procuravam,em sucessivos ataques,dilacerar-lhe a carne.Ainda tentou fugir,buscando um hipotético esconderijo onde pudesse,como que num passe de mágica,furtar-se aos ardentes pedaços de chumbo que lhe fizeram surgir por todo o corpo pequenas flores de sangue.Turvou-se-lhe a vista e tombou sobre um tapete de giestas e urzes.Depois,respirou fundo e exalou o último suspiro,pacificamente,indiferente ao encarniçamento dos cães e aos dichotes dos caçadores.Com a morte de Xavar,os pássaros silenciaram o seu canto e toda a natureza envolvente se ensimesmou,como que expressando ao javali brutalmente assassinado o seu profundo pesar.Jovem Leitor:Se pensas-quando chegares à idade adulta-dedicar-te a essa prática abominável a que muitos chamam desporto,pára para pensar.Será que os animais silvestres foram tão amorosamente criados por Deus para exercitarmos,à sua custa,os nossos piores instintos?Ou tê-los-á criado para enriquecer o planeta que habitamos e tornar ainda mais grandiosa esta saga magnífica que é o contínuo Acto da Criação?Devemos ser sempre pela Vida.E,se quisermos caçar-se sentirmos em nós esse apelo atávico proveniente de um tempo em que éramos selvagens-,façamo-lo usando,em vez das mortíferas armas,máquinas fotográficas,e guardemos não as pobres carcaças dos animais mortos,mas as suas imagens plenas de vitalidade e de incomparável beleza.Que assim seja.

PARA MEDITAR

Carta do Chefe Índio Seattle

Em Janeiro de 1854,o Chefe Índio Seattle(Ts'ial-la-kum), dos Suquamish e dos Duwamish, enviou,ao então Presidente dos EUA,Franklin Pierce,que pretendia comprar uma imensa faixa territorial de sua tribo(prometendo,em troca,"uma reserva"),a seguinte carta:


Como podeis vós comprar ou vender o céu,o calor,a terra?Se nós possuíssemos a frescura do ar e a frescura da água,de que maneira poderia Vossa Excelência comprá-los?Cada pedaço dessa terra é sagrado para o meu povo.Cada agulha de pinheiro,cada rio murmurante,cada bruma nos bosques,cada clareira,cada zumbido de insecto é sagrado na lembrança e na vivência do meu povo.Nós somos uma parte da terra,e ela faz parte de nós.As flores perfumadas são nossas irmãs;o cervo,o cavalo,a grande águia,são nossos irmãos.As rochas escarpadas,o aroma das pradarias,o ímpeto dos nossos cavalos e o homem todos são da mesma família.Assim,o Grande Chefe de Washington,mandando dizer que quer comprar a nossa terra,está pedindo de mais a nós índios.Manda o Grande Chefe dizer que nos reservará lugares onde poderemos viver confortavelmente entre nós.Ele será nosso pai e,nós,seus filhos.

Prometemos pensar na vossa ideia de comprar a nossa terra.Mas não será fácil,pois essa terra para nós é sagrada.A água cintilante que corre nos riachos e rios não é só água,mas,também,o sangue dos nossos antepassados.Os rios são nossos irmãos.Eles saciam a nossa sede,levam as nossas canoas e alimentam os nossos filhos.Se nós vendermos a nossa terra,vós deveis lembrar-vos e ensinar os vossos filhos que os rios são nossos irmãos e também vossos,e vós deveis doravante dar aos rios a ternura que mostrais para um irmão.Sabemos que o homem branco não entende os nossos costumes.Um pedaço de terra para ele é igual ao pedaço da terra vizinha,pois é um estranho que chega,às escuras,e se apossa da terra de que tem necessidade.A terra não é sua irmã,mas sua inimiga,e uma vez conquistada,o homem branco vai mais longe..O seu apetite arrasará a terra e não deixará nela mais que um deserto.Não sei,os nossos costumes são diferentes dos vossos.A imagem das vossas cidades faz mal aos olhos do homem vermelho.Mas,isso talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não entende.Não há mais lugares calmos nas cidades dos homens brancos;a barulheira parece estourar os ouvidos.O índio prefere o doce assobio do vento lançando-se como uma flecha sobre o espelho de um lago,e o aroma da terra molhada pela chuva ou perfumada pelo pinheiro.O ar é precioso ao homem vermelho,pois todas as coisas participam do mesmo sopro-o animal,a árvore,o homem.Eles compartilham todos o mesmo sopro.O homem branco parece não se lembrar do ar que respira.


O vento,que deu ao nosso avô o primeiro fôlego,recebeu,também,o seu último suspiro.Pensaremos,portanto,na vossa oferta de comprar as nossas terras.Mas,se decidirmos aceitá-la,eu porei uma condição:o homem branco deverá tratar os animais selvagens como irmãos.Vi mais de mil bisontes apodrecendo nos campos,abandonados pelo homem branco,que os abateu de um comboio que passava.O que é o homem sem os animais?Se os animais desaparecerem,o homem morrerá de uma grande solidão.Ensinai também aos vossos filhos aquilo que ensinamos aos nossos:que a terra é nossa mãe.Dizei-lhes que a respeitem,pois tudo o que acontecer à terra,acontecerá aos filhos da terra.Quando os seus homens cospem no chão,cospem sobre eles mesmos.Ao menos sabemos isto:a terra não é do homem;o homem pertence à terra.Todas as coisas são dependentes.Não foi o homem que teceu a teia da sua vida;ele não passa de um fio desta teia.Tudo o que ele fizer por esta teia,estará fazendo para si mesmo.Há uma coisa que sabemos,e que o homem branco descobrirá,talvez,um dia:é que o nosso Deus é o mesmo Deus,e a sua piedade é igual,para o homem vermelho e o homem branco.Esta terra é-lhe preciosa,e danificá-la é cumular de desprezo o seu Criador.