AS MAÇÃS DO SENHOR TOMÁS


O senhor Tomás orgulhava-se de ter o melhor e mais viçoso pomar em muitas milhas em redor.Na verdade,as suas maçãs-que ocupavam quase a totalidade da sua produção frutícola-eram únicas!Grandes,de pele brilhante e,sobretudo,muito saborosas.E o seu número era de tal magnitude que se via obrigado a guardá-las,quando amadureciam,num celeiro onde armazenava,também,outros frutos da sua colheita.O pior é que,volta e meia,as maçãs desapareciam como por encanto,sem que em torno dos cestos onde as guardava pudesse detectar pegadas ou outro tipo de sinais que lhe permitissem desmascarar e deitar a unha ao misterioso larápio. Ora o nosso amigo Tomás tinha um rato de estimação-o Avelino-,que salvara,num compassivo gesto,de morrer afogado no tanque da quinta.E que ideia teve?A de treinar o pequeno roedor de molde a transformá-lo num verdadeiro guarda.E até pediu à costureira da aldeia que lhe fizesse uma farda e,se a tal lhe chegasse o engenho,um boné a condizer. Alguns dias depois,o rato Avelino era entronizado como guarda do celeiro do senhor Tomás.Porém,os roubos das maçãs continuaram a acontecer,sem que o simpático ratinho pudesse fazer algo para os impedir.Até que,numa certa noite,quando Avelino se preparava para fazer uma merecida e revigorante soneca,ouviu distintamente risos e cochichos que,pela sua intensidade,se percebia provirem do interior do celeiro.Pé ante pé-ou,melhor dizendo,pata ante pata-aproximou-se do local onde os responsáveis por tais ruídos se encontravam...E que viu?Dois trasgos banqueteando-se com as maçãs,em companhia de um anafado esquilo!Convém,antes de mais,explicar o que é um trasgo,já que os esquilos toda a gente sabe o que são.Ora vamos lá ver se o saberei fazer de forma clara...Os trasgos são uma espécie de espíritos caseiros extremamente astutos,especialistas em dar cabo do juízo aos infelizes que com eles se cruzarem.Adoram pregar partidas,partir loiça,roubar objetos de estimação,em suma,fazer toda a espécie de tropelias. Sem fazer ruído,o guarda Avelino saiu do celeiro e foi chamar o senhor Tomás.Este,dormia a sono solto,e o seu pequeno ajudante teve de lhe mordiscar a ponta do nariz para o acordar.O pobre homem soltou um grito de dor e,ao ver o rato,percebeu,de imediato,que algo de grave se estava passando.Então,vestiu-se rapidamente,pegou numa moca de madeira de vidoeiro que guardava sempre atrás da porta e avançou para o celeiro.Aí chegado deu com os gatunos das suas queridas maçãs que,ao vê-lo,fizeram menção de fugir."Esperem",pediu-lhes o senhor Tomás."Não vos quero fazer mal.Desejo,apenas,chegar a um acordo convosco".E qual foi o trato que fez com eles?,perguntar-vos-eis.O de se comprometerem a não roubar mais maçãs,em troca de uma tarefa que seria justamente remunerada."Colheis os frutos das macieiras e eu,em troca,dou-vos,semana após semana,uma arroba(1) bem medida de maçãs".Os trasgos conferenciaram entre si e concordaram com a proposta do agricultor.E,a partir desse dia,cessaram os roubos e os consequentes prejuízos. Que lição nos é possível extrair desta história?Que,com diálogo e compreensão,podemos resolver todos os problemas,sem precisarmos de recorrer à violência e à vingança,como tantas vezes fazemos. Que belo exemplo o do senhor Tomás!Vamos segui-lo? (1)Arroba(do árabe "ar-rub",a quarta parte) é uma antiga unidade de massa usada em Portugal,no Brasil,em Espanha e na América Latina hispánica,e equivale a 15 kg.