
"Hoje,tenho um dia muito preenchido",disse o gnomo Agrimindo,acariciando as longas barbas brancas."Vais apanhar casca de vidoeiro?",perguntou-lhe Nhuxa,sua mulher há mais de cem anos.Agrimindo sorriu-lhe ternamente,fez que sim com a cabeça e,voltando-se para Ranu-o filho mais novo do casal-,pediu-lhe:"Cuida bem das árvores durante a minha ausência".Devo esclarecer que Agrimindo tinha por missão tratar da conservação das árvores da floresta-o que fazia com todo o saber e autoridade.Mas,esse,era um dia especial,porque tinha de colher casca de vidoeiro para preparar um chá de beleza para a sua amada esposa,que era uma senhora muito coquete.Após a partida do pai,Ranu apressou-se a cumprir a sua tarefa.Mal chegou ao pé de um certo castanheiro de belo porte,logo se apercebeu de que andava por ali,zumbindo como um doido,o besouro Felizardo.O nosso amigo gnomo conhecia de sobra a fama de comilão do tal besouro,a sua pouca educação e,também,o estranho gosto que tinha em contrariar os outros.Se lhe pediam para voar para a esquerda,era para a direita que ele ia.Se lhe rogavam que fizesse menos ruído com as asas,tratava logo de provocar uma autêntica trovoada,transformando-se numa espécie de berbequim voador.Além de que era um revoltado.E,se quisermos ser justos,até somos capazes de lhe dar alguma razão...É que os besouros vivem três anos debaixo da terra(por vezes,cinco,nas zonas mais frias da Europa),e,apenas,três semanas ao ar livre!É nos meses de Agosto ou de Setembro que eles se transformam em insectos perfeitos,para só na Primavera poderem deixar as escuras catacumbas onde se encontram durante todo esse tempo.Concluíndo:o besouro Felizardo,tal como todos os seus irmãos de espécie,tinha,tão-só,algumas semanas para viver em pleno!E,então,toca a aproveitar!Mas-convenhamos-,era um exagerado!Empanturrou-se com folhas de carvalho,de nogueira e de salgueiro até cair para o lado!E,sabe-se lá por que bulas,embicou com as folhas daquele castanheiro,e parecia disposto a deixá-lo "depenadinho" de todo,quando lhe apareceu pela frente Ranu."O que estás a fazer é muito feio!",disse ele a Felizardo num tom ríspido."Será que só há folhas neste castanheiro?!",continuou."Não tens nada com isso!",ripostou o besouro."Tenho,sim,e muito!",volveu Ranu,esclarecendo que estava ali substituíndo o senhor seu pai."O castanheiro precisa das folhas para cumprir o seu ciclo;e,tu,estás a impedi-lo",recordou-lhe o gnomo."Tanto se me dá!",disse Felizardo com um zumbido de desprezo."Pois fica sabendo que,em nome da Mãe Natureza,estás terminantemente proibido de comer mais folhas deste castanheiro!!!",gritou-lhe Ranu.Ao ouvi-lo invocar tal nome,Felizardo,que era castanho,ficou amarelo.E decidiu parar com o estrago.Mas,antes de partir para outras paragens,fez um voo rasante em direcção ao gnomo e,qual avião de guerra despejando as suas bombas,lançou um excelentíssimo cocó sobre a testa do estupefacto(e enojado)Ranu!Após alguns segundos de justificado embaraço,o filho de Agrimindo encolheu os ombros,libertou-se do malcheiroso "presente" e continuou empenhado na sua importante missão.E,mais do que a torpe vingança do besouro,lastimou a sua falta de respeito por um bem que,afinal,era de todos!Quantos de nós não andamos a imitar o besouro Felizardo!?...Dá que pensar,não dá?