
Num certo fim de tarde de Junho,chegou à floresta um animal vindo da terra dos homens,cuja natureza apenas os pássaros conheciam,por serem da Criação as criaturas mais viajadas.Lobo,não era.Nem raposa.Mas assemelhava-se-lhes.Tal como aqueles,tinha pêlo,orelhas,focinho...e uns dentes que metiam respeito!Os coelhos,mal o viram,zás!,correram logo a refugiar-se nas suas tocas.As doninhas,os ratos,os esquilos e demais roedores desapareceram como por encanto.E até o texugo-que é bicho poderoso e destemido-coçou o focinho de preocupação.Que animal seria aquele?E que estaria fazendo ali?Juno,o gaio,riu-se do temor revelado por todos e,bem assim,da sua ignorância.O tal bicharoco que não era lobo nem raposa,mas que tinha pinta de pertencer à família de ambos,era-imagine-se!-um vulgar cão.Restava saber como é que fora ali parar...Coube a Juno perguntar-lho.O cão lançou-lhe um olhar triste e respondeu:"É que ando perdido há vários dias".E,entre ganidos de profunda amargura,contou a sua história-infelizmente igual à de tantos outros cães e gatos deste desalmado mundo.Vivia,desde cachorrinho,no seio de uma família de humanos,composta por um casal e um filho pequeno.Precisamente,a sua presença em casa dessa família devia-se ao facto de o filho do tal casal desejar muito ter um cão.Puseram-lhe o nome de Leão e trataram-no sempre com bondade.Só que ele cresceu,transformando-se não em mais um componente daquele lar,mas num fardo.Quando,em determinada altura,decidiram ir passar férias ao estrangeiro,olharam para Leão e logo lhe traçaram o destino.Alguns dias depois,meteram-no no carro,como normalmente faziam.Ele pensou que se tratava de mais um passeio;mas não era assim.Chegados a um lugar ermo,pararam a viatura e ordenaram-lhe que descesse.Ele fê-lo,abanando a cauda festivamente,como era seu costume.Dessa vez,porém,em vez de ouvir os passos dos donos atrás de si,escutou o som surdo da porta fechando-se de novo,e o ronco do motor em plena aceleração.E observou,sem compreender,como o carro se afastava velozmente e se perdia na distância.A princípio ainda correu,na tentativa de o alcançar,mas logo percebeu que era impossível.E ali ficou parado,em plena estrada,de olhos marejados de lágrimas,fitando o horizonte."Foi assim que,após alguns dias de caminhada,cheguei até aqui",concluiu.Então,Juno teve uma ideia.Na serra próxima,vivia um pastor cujo cão morrera de velho.Se ele fosse até lá,era quase certo o homem adoptá-lo como novo guarda do seu rebanho.Leão passou aquela noite na floresta,enroscado junto à árvore onde o gaio costumava pernoitar;e,mal o sol nasceu,puseram-se a caminho rumo à serra,ao encontro do pastor.Este,mal viu Leão,logo o chamou para junto de si.O animal aproximou-se,e o homem perguntou-lhe,ao mesmo que o acariciava:"Queres ficar comigo?"Leão ganiu baixinho e lambeu a mão que o afagava numa linguagem que queria dizer "sim";e Juno regressou à floresta,grasnando:"Missão cumprida!Missão cumprida!"Como o pastor não sabia que o cão já tinha nome,decidiu chamar-lhe Luar.O tempo foi passando,e gerou-se entre o pastor e o seu cão uma sólida e indestrutível amizade,que Luar fez questão de compartilhar sempre com um certo gaio que,volta e meia,aparecia por aquelas paragens...