A VERDADEIRA COMPAIXÃO

Das raposas não há mal que não se diga,sublinhando-se sempre a sua proverbial matreirice.E,evidentemente,a voracidade...!Com efeito,bicho pequeno que encontrem -desde os arganazes até aos coelhos-,tudo lhes serve de pitéu.E,se a fome apertar,nem os insectos lhes escapam!!Claro que também comem frutos,tais como framboesas,mirtilos ou cerejas silvestres;mas o que conta,realmente,para a definição que delas fazemos,é o facto de,por vezes,penetrarem nos galinheiros e devorarem as aves domésticas.Esta atitude que temos em relação às raposas faz-me lembrar a que mantemos em relação às pessoas:"Sim,aquela pessoa é muito simpática,mas..."(e lá vem a lista de defeitozinhos).A verdade é que ninguém é perfeito-e as raposas,como é óbvio,também não.Mas deixemo-nos de considerandos(ou de raposices...) e debrucemo-nos sobre esta história(que uma coruja me contou,por dela ter sido testemunha silenciosa)passada entre um jovem raposo e uma coelha muito velha-tão velha,imaginem,que já só tinha um dente!Ora acontece que,numa certa manhã,indo o raposinho caminhando pela floresta,deu de caras com uma coelha que,dobrada sob o peso dos anos,se lamentava amargamente,enquanto procurava,a todo o custo,que as trôpegas patas lhe obedecessem.O raposinho não comia há mais de um dia,e aquela coelha vinha mesmo a calhar!Talvez a sua carne fosse muito rija;mas a fome,quando é verdadeira,não perde tempo com tais minudências...Ao ver-se perante aquele eterno "inimigo",a velha coelha pensou que chegara o fim do seu penar nesta terra.E,em vez de ficar apavorada,até agradeceu mentalmente à Mãe Natureza pela possibilidade que lhe dava de pôr termo a tanto sofrimento.Porém,enganava-se redondamente,porque o jovem raposo,em vez de se lançar sobre ela e lhe cravar os aguçados dentes,olhou-a com uma expressão compassiva,ao mesmo tempo que lhe perguntava:"Precisa de ajuda,avozinha?"Será que já morri sem dar por isso e estou no Paraíso?,interrogou-se a coelha,surpreendida com a atitude do raposo.Mas não:estava,ainda,do lado de cá da Vida!"Não deve andar sozinha pela floresta",disse-lhe o raposinho."Fraca como está,não poderá fugir se alguém lhe quiser fazer mal",concluiu .E que fez a seguir?Ajudou a anciã a caminhar,amparando-a gentilmente,e conduziu-a até ao seu covil."Aqui,ficará em segurança",garantiu-lhe.E,a partir desse dia,a coelha não mais precisou de se preocupar com a sua sobrevivência.O raposinho trazia-lhe braçadas de erva muito tenra,de viçosas leitugas e de água que recolhia nas "tacinhas" das glandes dos carvalhos.Passaram-se os meses e nunca o nosso raposinho deixou de cuidar da cada vez mais velhinha e decrépita hóspede.Até ao dia em que esta exalou o último suspiro.Os seus olhos ficaram parados,como estrelas que,de súbito,deixassem de tremeluzir,fixando o seu benfeitor com uma expressão de profunda serenidade.Este,pegou,piedosamente,no corpo da coelha e transportou-o para um lugar da floresta onde cresciam as framboesas.Depois,cavou com as suas próprias patas uma cova,depositou no seu interior a defunta,tapou-a cuidadosamente e pôs,sobre a pequena campa,algumas flores silvestres,das mais bonitas que encontrou."Descansa em paz",murmurou ele,limpando com a pata aveludada uma grossa lágrima.E é que,por muito incrível que pareça,as raposas também choram.