A MENINA DO LAÇO VERMELHO

Eu não quero que a história que vos vou contar pareça uma história triste.Porque,como podereis constatar no final,não o é.Muito pelo contrário!Mas como tenho de usar a palavra "morte"(que é uma palavra bem tonta),e como a heroína é uma menina de 7 anos,é natural que penseis que se trata de uma narrativa profundamente negativa. Ora comecemos... Lídia era uma criança como tantas e tantos de vós:alegre,brincalhona e sonhadora.Raramente deixava de sorrir,mesmo quando a doença-uma doença com um nome muito complicado e da qual não vale a pena falar- se apoderou do seu frágil corpo.Mas,apesar disso,nunca deixou de usar o seu laçarote encarnado,que era como que uma espécie de sinal de felicidade interior. Vivia ela com sua mãe-uma jovem professora primária- numa casinha muito airosa situada a dois passos de um pequeno mas frondoso bosque,onde os esquilos e os pássaros sedentários tinham os seus refúgios. Era uma vida igual à de tantas outras famílias,feita de dias mais ou menos felizes;e tudo parecia correr no melhor dos mundos,quando a tal doença se manifestou. Primeiro,foram as visitas a vários médicos.Depois,uma sucessão de tratamentos,qual deles o mais doloroso.E,finalmente,o veredicto:o mal que apoquentava Lídia não tinha cura.Agora,tratava-se de lhe explicar que ia partir em breve-que ia morrer.E essa explicação tinha de lha dar a sua própria mãe.Mas como dizer a uma menina de sete anos que vai deixar de existir?... Amélia -a mãe de Lídia-,pensou em milhentas frases e noutros tantos estratagemas,mas tudo lhe pareceu ridículo.E,no entanto,tinha de encontrar uma maneira de contar à sua filha a terrível verdade. Até que,no início de uma tarde de domingo,preparou um pequeno farnel e disse a Lídia: -Vamos passar a tarde no bosque.Achas bem? -Acho-respondeu a menina.-Mas se é para me informares de que estou a morrer,não vale a pena. As palavras de Lídia fizeram estremecer a mãe: -Como é que sabes que estás a morrer?Quem te disse tal disparate?!-protestou Amélia,olhando a filha com uma expressão de falso azedume. -Foi "ele"-confidenciou-lhe Lídia. -"Ele"?!Mas quem é esse..."ele"?! -É o meu amigo.O meu guia-respondeu a menina. -Eu conheço-o?-quis saber a mãe. -Não;não conheces-volveu Lídia,num tom de voz muito calmo. -Fala-me acerca dele-pediu-lhe a mãe,temendo tratar-se de alguém que pudesse molestar a sua filha. -É lindo...!-disse Lídia,semicerrando os olhos e sorrindo. -É um menino como tu?-perguntou-lhe a mãe. -Não.É mais velho.Talvez da tua idade. (Amélia pensou no pai de Lídia,que a havia abandonado poucos dias depois do seu nascimento e nunca mais voltara.Andaria ele rondando a sua menina,sabe-se lá com que intenções?...Tratava-se de uma pessoa pouco recomendável,que a enganara e a deixara com uma filha nos braços...) -É alto?-começou por inquirir,tendo em conta que se tratava de um indivíduo bastante corpulento. -Nem é alto nem baixo-informou Lídia. -De que cor é o seu cabelo? -Às vezes,parece dourado.Outras vezes parece que cada um dos seus cabelos tem todas as cores do arco-íris-revelou. Amélia ficou perplexa com tal descrição.E demonstrou-o,dizendo: -Isso não é possível.Não terás sonhado?... -Não-foi a resposta pronta de Lídia.-Ele é verdadeiro;tão verdadeiro como tu e como estas árvores que nos rodeiam.E ama-me muito. -Como sabes? -Porque ele próprio mo disse. -E não te disse como se chamava? -Não.Para que haveria de fazê-lo?No mundo a que pertence ninguém tem nome. -Mas...que mundo é esse? -O da Consciência. Aquilo já começava a ser de mais para a compreensão de Amélia.Respirando fundo,inquiriu: -Ele mostrou-te esse...esse mundo? -Claro-respondeu Lídia com indisfarçável entusiasmo.-Levou-me a visitá-lo. -E como é?... -É um lugar magnífico!De certo modo,é parecido a este em que nos encontramos,mas é tudo muito mais belo!A relva é muito mais verde.As flores têm cores incríveis que só lá existem.Os animais são mansos,muito mansos... -E as pessoas? -Ah,as pessoas são todas jovens,têm a pele muito macia e brilhante,e os seus olhos parecem conter milhões de gotinhas de orvalho beijadas pelo sol.Além disso,tudo tem luz própria.Até a mais humilde das ervas. -E falaste com alguém? -Falei com a avó Mariana. (Tratava-se,na verdade,da sua bisavó materna,falecida três anos antes,com a provecta idade de 95 anos.) -Era a tua bisavó-emendou Amélia.-Mas,quando ela morreu,tinhas tu 4 aninhos.Como podes lembrar-te dela? -Não me lembrava-explicou Lídia.-Ela é que me disse quem era.Eu,a princípio,não acreditei,porque me parecia demasiado nova.Era linda,linda! -Quantos anos teria? -Uns vinte. -Não.Não poderia ser a tua bisavó-concluiu Amélia. -Pois.Só que ela,de repente,envelheceu,para me mostrar como era quando partiu.Nesse mundo,as pessoas têm a idade que desejam ter.E é para aí que eu vou!-disse Lídia,com um sorriso de triunfo bailando-lhe nos lábios.Para logo continuar:-Nesse mundo não há velhice,nem doenças,nem dinheiro,nem maldade.Só há paz,alegria,harmonia e beleza!E muita música!E frutos que parecem pedras preciosas e sabem a música! -Só viste a bisavó Mariana?-indagou Amélia. -Vi outras pessoas.E um cão.Um cãozito pequeno,branco,com uma mancha negra em torno de um dos olhos. (A bisavó de Lídia tivera um cachorro exactamente igual a esse,que morrera de velho muito antes de a pequena ter nascido.) -Ela disse-te como se chamava o cãozinho?... -Disse.É um nome esquisito.Acho que é Flato. -Fly(flai)-emendou Amélia,rindo. -Sim,é isso!-confirmou Lídia.-Ele disse-me que gostava muito de mim.E que quando eu for para esse mundo,havemos de brincar muito. -Os cães não falam-protestou Amélia,com doçura. -Ele não falou.Nem ladrou.Foi assim como uma espécie de transmissão de pensamento. Entretanto,o Sol começava a pôr-se.Uma leve e fresca brisa atravessou o bosquezinho,agitando ao de leve as ervas e as gentis flores silvestres.Era hora de regressar a casa... Fizeram-no de mãos dadas,como se fossem duas amigas da mesma idade. -Nesse mundo não há pais,nem filhos,nem irmãos,nem avós-esclareceu Lídia,enquanto caminhavam.-Isso a que chamamos família só existe aqui.Nesse mundo somos todos amigos-muito amigos-,e nada mais. Em resposta,Amélia apertou-a contra si com infinita ternura. Os dias foram decorrendo,e a doença que minava o cada vez mais indefeso corpito de Lídia ia ganhando terreno.Até que,já prostrada no leito por não ter mais forças para se levantar,chamou,com um fio de voz,a sua mãe. -"Ele" esteve aqui-confidenciou-lhe.-E disse-me que me vem buscar amanhã.Ficas triste? Um soluço estalou na garganta de Amélia.Ela não queria que a sua menina se apercebesse da profunda dor que sentia.E,num tom que pretendia ser descontraído,falou: -Esse teu amigo não sabe o que diz!Vamos continuar juntas por muitos anos! -Não,mãezinha.Não vamos.Amanhã voarei com ele para o seu mundo.E,um dia mais tarde,reencontrar-nos-emos.Entretanto,quero que me faças um favor.Quando eu me for,peço-te que coloques nos meus cabelos o lacinho vermelho.Prometes? -Claro que sim-respondeu Amélia,refreando as lágrimas. -Depois de eu partir,quero que vás ao bosque e te sentes no lugar onde estivemos.Então,verás uma borboleta da cor do meu laço.Esse será o sinal de que estou mais viva do que nunca e em companhia da bisavó Mariana e do Fly.Prometes-me que vais? -Prometo,meu amor. Após este curto diálogo,Lídia adormeceu.E assim permaneceu durante longas horas,sempre velada pela mãe.Até que,na manhã seguinte,acordou e,soerguendo-se a muito custo,exclamou,de braços estendidos para a janela do quarto: -É "ele".O meu amigo. E partiu serenamente.
Nas semanas seguintes,Amélia chorou amargamente o infausto acontecimento.Apesar do que Lídia lhe confidenciara,para ela a morte continuava a ser uma coisa feia e assustadora.E tudo o que se dissesse para além disto era pura fantasia.Mas,apesar do seu cepticismo-tão vulgar em quem nunca experimentou o "outro lado"-,resolveu ir até ao bosque e sentar-se no mesmo lugar onde estivera com a sua amada filha da última vez. Ao recordar esses momentos,grossas lágrimas lhe sulcaram a face pálida.A Primavera já ia alta e tudo fervilhava de vida.Através das árvores,os raios solares penetravam naquele anfiteatro florido e perfumado. Até que um desses raios-talvez mais potente do que os outros-incidiu,qual holofote apontado ao artista que evolui no palco,sobre uma belíssima borboleta vermelha. -É o sinal!-exclamou Amélia,levando a mão ao peito. Agora,sabia que Lídia não morrera!Sabia que isso da morte é uma história muito mal contada,porque a "morte" é algo que não existe! E aí estava essa maravilhosa borboleta vermelha para lho provar.